quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Como recordar o que nunca aconteceu


(…)

Em letras enormes do tamanho
do 
medo da solidão da angústia

um cartaz denuncia que um homem e uma mulher

se encontraram num bar de hotel

numa tarde de chuva

entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência

deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana



Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura

e souberam entender-se sem palavras inúteis

Apenas o silêncio A descoberta A estranheza

de um sorriso natural e inesperado



Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna

Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente

embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta

de um amor subitamente imperativo



Um homem e uma mulher um cartaz de denúncia

colado em todas as esquinas da cidade

A rádio já falou A TV anuncia

iminente a captura A policia de costumes avisada

procura os dois amantes nos becos e nas avenidas

Onde houver uma flor rubra e essencial

é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundo

É preciso encontrá-los antes que seja tarde

Antes que o exemplo frutifique

Antes que a invenção do amor se processe em cadeia



Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos

(…)






Daniel Filipe in A Invenção do Amor e Outros Poemas.

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