quarta-feira, 24 de novembro de 2010

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Pais...Filhos...Avós...

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos seus próprios filhos.
É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados.
Crescem sem pedir licença à vida. Crescem com uma estridência alegre e,às vezes, com alardeada arrogância.Mas não crescem todos os dias de igual maneira. Crescem de repente. Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu?
Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do Maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil.
E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça! Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes sobre patins e cabelos longos,soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros.
Ali estamos, com os cabelos esbranquiçados. Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas.
E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros.
Principalmente com os erros que esperamos que não repitam.
Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos próprios filhos. Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas.
Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, pôsteres, agendas coloridas e discos insurdecedores. Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao Shopping, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado.
Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscina e  amiguinhos.
Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim. Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestes". Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito (nessa hora, se a gente tinha desaprendido, reaprende a rezar) para que eles acertem nas escolhas em busca de felicidade.
E que a conquistem do modo mais completo possível. O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos.
O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.
Aprendemos a ser filhos depois que somos pais.
Só aprendemos a ser pais depois que somos avós..."

Affonso Romano de Sant'Anna

Aaahhh...este Povo!

Um dia, se apanho este povo a jeito, nem sei o que lhe faço, tal é a forma como ele nos trata


Meus caros concidadãos republicanos, portuguesas e portugueses, tenho a confessar-vos que, apesar da enorme estima e mesmo carinho que individualmente sinto por cada um de vós, odeio o povo! Não posso com o povo! Quero, até, que o povo vá morrer longe! De facto, se cada um de nós perguntar a si mesmo quem tem vindo, paulatinamente, a dar cabo deste país, a única resposta que obtemos, com a segurança de um facto ou com a lógica de uma equação matemática, é esta: é o povo que nos tem vindo a fazer a vida negra e desesperada...


Hoje discutimos quem tem razão em qualquer dos assuntos que abordamos. Dos mais importantes, como o que opõe o senhor Carlos Queiroz ao senhor Laurentino Dias, como aos mais insignificantes, como o que opõe o senhor Sócrates ao senhor Passos Coelho. Cada um tem as suas preferências, como é próprio de uma república democrática; cada qual defende as suas opiniões, mas apenas uma coisa é certa: o povo tem culpa!

Vejamos: Quem elegeu Cavaco? O povo!
Quem elegeu José Sócrates? O povo!
Quem quer dar o poder a Passos Coelho? O povo!
Quem quer que Sócrates lá fique? O povo!
Quem enche os estádios de futebol a chamar nomes a uns e a outros? O povo!
Quem aceita pacificamente a taxa de desemprego, a taxa do IRS, a taxa municipal e até a taxa da RTP, sem protesto? O povo!
O povo, deixem que vos diga, é uma besta quadrada. O povo quer uma coisa e o seu contrário, nunca está de acordo com qualquer medida e é muito irritante quando faz greve ou nas alturas em que enche as praias de gente e as estradas de carros. O povo suja as ruas, trata mal os empregados de café, enche os autocarros e o metropolitano, não para nas passadeiras, cospe no chão, é malcriado.
Há quem diga que, apesar de tudo, o povo é feliz, amigo, hospitaleiro... Não sei... O povo pode ser tudo. O povo é uma linha que vai da melguice de um emplastro atrás da personalidade que está a ser entrevistada na televisão, até à melguice do senhor Duque de Bragança e putativa Alteza Real, passando por coisas tão más como os discursos do senhor Ricardo Rodrigues no Parlamento ou os juristas que fizeram o projeto de revisão do PSD.
Não fosse o povo, o país estava muito melhor. O povo não trabalha ou trabalha e ganha pouco. O povo endivida-se, o povo não quer pagar autoestradas, o povo quer entrar nas universidades sem fazer o liceu, o povo quer um orçamento, mas não quer que o orçamento seja aprovado, o povo, enfim, meus caros concidadãos, atrapalha!
É esta a verdade: O povo atrapalha!

Proponho, por isso, que a nossa República deixe de ter povo. Façamo-nos espanhóis, italianos, franceses, alemães ou dinamarqueses, de tal forma que voltemos a dar bom nome ao país. Portugal tem paisagens fantásticas, praias magníficas, monumentos interessantes, clima extraordinário, infraestruturas importantes, serviços bastante aceitáveis... Portugal é, enfim, um magnífico lugar. Quem dá cabo disto é o povo, os portugueses. Imaginem este sítio sem cada um de nós - só com tipos decentes...
Ah, que maravilhoso rincão seria! Um exemplo para o mundo, um farol da civilização. Se dizem que a República se fez em nome do povo, façam-na em nome de outra coisa qualquer. Por mim, estou disposto a ser croata...

Comendador Marques de Correia
Texto publicado na edição da Única de 2 de outubro de 2010

HOJE É DIA DE...

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Amigo.

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra "amigo".


"Amigo" é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mãe!


"Amigo" (recordam-se vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
"Amigo" é o contrário de inimigo!


"Amigo" é o erro corrigido
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

"Amigo" é a solidão derrotada!


"Amigo" é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
"Amigo" vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O'Neill



quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A Obesidade Mental

A Obesidade Mental - Andrew Oitke

O prof. Andrew Oitke publicou o seu polémico livro «Mental Obesity», que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral.

Nessa obra, o catedrático de Antropologia em Harvard introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna.


«Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física por uma alimentação desregrada.

Está na altura de se notar que os nossos abusos no campo da informação e conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que esses.»

Segundo o autor, «a nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares-comuns que de hidratos de carbono.

As pessoas viciaram-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos, condenações precipitadas

Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada.

Os cozinheiros desta magna "fast food" intelectual são os jornalistas e comentadores, os editores da informação e filósofos, os romancistas e realizadores de cinema.Os telejornais e telenovelas são os hamburgers do espírito, as revistas e romances são os donuts da imaginação.»

O problema central está na família e na escola.

«Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e chocolate.

Não se entende, então, como é que tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas.

Com uma «alimentação intelectual» tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é normal que esses jovens nunca consigam depois uma vida saudável e equilibrada.»

Um dos capítulos mais polémicos e contundentes da obra, intitulado "Os> > Abutres", afirma:

«O jornalista alimenta-se hoje quase exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, de restos mortais das realizações humanas.

A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular.»

O texto descreve como os repórteres se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polémico e chocante.

«Só a parte morta e apodrecida da realidade é que chega aos jornais.»

Outros casos referidos criaram uma celeuma que perdura.

«O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades.

Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy.

Todos dizem que a Capela Sistina tem tecto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve.

Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê.

Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto».

As conclusões do tratado, já clássico, são arrasadoras.

«Não admira que, no meio da prosperidade e abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência.

A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda, a arte é fútil, paradoxal ou doentia.

Floresce a pornografia, o cabotinismo, a imitação, a sensaboria, o egoísmo.

Não se trata de uma decadência, uma «idade das trevas» ou o fim da civilização, como tantos apregoam.

É só uma questão de obesidade.

O homem moderno está adiposo no raciocínio, gostos e sentimentos.

O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos.

Precisa sobretudo de dieta mental.»

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sempre o BENFICA

É por não gostar de futebol que sou do Benfica. Tal como compreendo como é que há portugueses que conseguem ser de outros clubes. O Sporting, o Porto podem jogar bem e o Belenenses e a Académica podem calhar bem em sociedade, mas só o Benfica, como o próprio nome indica, é o próprio Bem. Que fica.

Só o Benfica pode jogar mal sem que daí lhe advenha algum mal. Basta olhar para os jogadores para ver que sabem que são os maiores, que não precisam de esforçar-se muito, porque são intrínseca e moralmente a maior equipa do mundo inteiro.

Porquê?

Ninguém sabe. Mas sente-se. Quando perdem, não se indignam, não desesperam.

Eusébio só chorou quando jogou por Portugal. Quem joga no Benfica tem o privilégio e o condão de estar sempre a sorrir. Não conseguem resistir.

O Benfica, a bom ver, nem sequer é uma equipa de futebol. É um nome. É como dizem os brasileiros, uma "griffe". Têm uma cor. Antes de entrar em campo, já têm um mito em jogo, já estão a ganhar por 3-0, graças só à reputação.

Quando o Benfica perde, parece sempre que quis perder. Essa é a força inigualável do Sport Lisboa e Benfica - faz sempre o que lhe apetece.

Qual é o segredo do Benfica? São os benfiquistas. São do Benfica como são filhos de quem são. Ninguém "escolhe" o Benfica, como ninguém escolhe a Mãe ou o Pai. Em geral, aliás, os benfiquistas odeiam o Benfica e lamentam-no no estádio e em casa, mas pertencem- lhe. Quanto mais pertencemos a uma entidade superior, seja a Família, a Pátria, Deus - ou o Benfica, mais direito, temos de criticá-la e blasfesmá-la. Não há alternativa.

Em contrapartida, os sportinguistas e portistas parecem genuinamente convencidos que apoiam as equipas deles porque são as mais dignas ou as melhores.

Desgraçados! Se fossem coerentes, seriam todos adeptos do REAL MADRID, AC MILAN, etc, etc. No Benfica, não se exige qualquer lealdade. Só se pede, em relação aos adeptos de outros clubes, caridade e comiseração. O Sporting, por exemplo, tem a mania e a pretensão de ser "rival" do Benfica, um pouco como o PSN se julga crítico parlamentar do PSD. Mas, se se tirasse o Benfica ao Sporting, o Sporting deixaria de existir. O Benfica é um grande clube porque tem história e talento suficientes para não dar importância aos resultados.

Tem uma tradição de nonchalance" e de pura indiferença que não tem igual nos grandes clubes europeus. O Benfica não joga - digna-se jogar.

Não joga para vencer - vence por jogar.

Odeio futebol. Mas amo o Benfica. As opiniões de quem gosta de futebol são suspeitas. Claro que os sábios são do Benfica. Mas a força deste grande clube está nos milhões que são benfiquistas apesar do Benfica, apesar do futebol, e apesar deles próprios. Em contrapartida, aposto que a totalidade de pessoas que são do Sporting ou do Porto, por infortúnio pessoal ou deficiência psicológica, são sócios. A força do Benfica, meus amigos, está em quem não paga as quotas, que não vai a jogos, quem não sabe o nome dos avançados - isto é, no resto do mundo. O Benfica, é o Benfica. E o que tem de ser - e é- tem muita força.

Miguel Esteves Cardoso